Fotos: DT - 24/7/2012 

Por Paulo Atzingen*
Passeio noturno pelas águas do rio Capiberibe é uma
verdadeira
aula de história passada e recente
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Recife
- Que os destinos nacionais sempre surpreendem com sua riqueza cultural,
étnica e social não existe mais dúvida. A questão é saber
como esses lugares são interpretados, traduzidos e explicados por
profissionais que trabalham com isso. Os guias de turismo, os professores, os
historiadores, são profissões que requerem talento, senso crítico, ética e
estudo contínuo. É essa síntese de preparo humano e de profundidade de
conteúdo que ressuscita a história escondida nos museus, nos livros e nos
monumentos das cidades. Guias de turismo como Baruque Bernardo, que atua no Catamaran Tours
em Recife, fazem jus à profissão que têm e doam aos turistas fragmentos da
vida pernambucana que viraram fumaça, se perderam no tempo; colheita de
uma miopia coletiva que tem sementes na pressa e na superficialidade
modernas.
Remanescente
do mangue
Recife se sobrepõe por sua natureza arquitetônica e história mais antiga – a colonização holandesa presente nas construções, por exemplo – e por ser canteiro de grandes mentes que ajudaram na construção da identidade nacional – Gilberto Freyre, o grande antropólogo e Paulo Freire, o educador que revolucionou escolas brasileiras com sua pedagogia crítica. Esses ventos de conhecimento espalharam sementes férteis nos manguezais de Pernambuco. O guia Baruque é um remanescente desse mangue.
“A
ilha do Recife era um istmo que vinha de Olinda, a capital da Província , e
ex-capital de Pernambuco entre 1535 e 1827. Aliamos, além da história e da
paisagem, todo esse contexto diferenciado pela Catamaran Tours em uma maneira
de ver a capital pernambucana, a partir dos rios de Recife”, afirma
Baruque, dando início a sua metralhadora giratória de nomes, obras, datas e
expressões pernambucanas.
O
passeio, de aproximadamente uma hora, consiste em navegar pela Bacia do Pina,
onde se encontra o Cais das Cinco Pontas, saída do catamarã, percorrer parte
na bacia portuária e entrar no rio Capiberibe com suas pontes centenárias: a 12
de setembro (antiga ponte giratória que subia para a passagem de
embarcações), a ponte Maurício de Nassau (a primeira do Brasil), a ponte
Buarque de Macedo, a ponte Santa Izabel (a abolicionista), a ponte
Duarte Coelho (a do Galo da Madrugada) e a ponte da Boa Vista (a
ponte de ferro). O passeio é embalado por sucessos de cantores e compositores
da terra como Alceu Valença, Lenine e Chico Science, esse último
expoente do mangue beat, movimento musical genuinamente pernambucano.
Sotaque
e modernidade
A capitania de Pernambuco prosperou a partir do século XVII em função da produção de cana-de-açúcar e encontrou sua glória econômica e cultural com a chegada dos holandeses. Essa informação, resgatada dos livros de história é repaginada com um sotaque nordestino e de modernidade: “À esquerda as duas grandes torres residenciais chamadas Duarte Coelho e João Maurício de Nassau, que fazem alusão ao primeiro governador português e ao primeiro donatário da capitania de Pernambuco, respectivamente”, diz o professor-guia, apontando para os dois grandes edifícios de 40 andares cada um que se sobressaem à margem do rio.
Pedras
dos Reinos
“À nossa proa, o antigo palácio alfandegário, originalmente um convento e a igreja da madre de Deus. No paço, hoje transformado em shopping, cada entrada terá um mosaico com as peças do escritor Ariano Suassuna, paraibano, mas já integrado a Pernambuco”, explica o guia e enumera, de cabeça, as obras do autor: “ A Mulher Vestida de Sol, o Auto da Compadecida, a Rainha do Meio Dia e a Pedra do Reino” .
Nassau
O catamarã passa sob as pontes e em cada uma delas os passageiros, incitados pelo guia, fazem reverência aos personagens da história. “Essa parte de Recife era a área boêmia e essa ponte é a primeira ponte do Brasil, construída por João Maurício de Nassau”, ensina e acrescenta: “O holandês Nassau decidiu transformar Recife em uma moderna capital. Entre várias ações engenhou o projeto da cidade Maurícia, um projeto urbanístico responsável pelos atuais traçados dos bairros de Santo Antônio e São José (centro antigo da atual Recife), onde drenou terrenos, construiu canais, diques, pontes e palácios, entre eles o Palácio de Friburgo e da Boa Vista, os jardins botânico e o zoológico, um museu natural e um observatório astronômico”, enumerou.
Café
com Bandeira
Além de Ariano Suassuna, nomes como Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, quasares da literatura brasileira e pernambucana, são contextualizados pelo guia, inserindo o turista em uma história recente aprendida nos bancos de escola. “Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do Rei”, aponta o guia para a estátua de Manuel Bandeira à margem do rio e acrescenta: “Este poeta maior, sentado ali placidamente, morou ali atrás, na rua da União”. Fala com a naturalidade de quem tomou um café da tarde com o imortal.
Luto
O guia é tão versátil e plural que não deixou de lembrar aos turistas de uma perda para a história e turismo religioso de Pernambuco. No mesmo dia do passeio, sexta-feira (20), morrera Dina Mendonça Pacheco, esposa de Plínio Pacheco, idealizador do espetáculo em Nova Jerusalém, A Paixão de Cristo. “Gostaria de lembrar aqui do papel fundamental que foi para o turismo e para a cultura de Pernambuco, esse gaúcho, jornalista, que teve como âncora, essa grande mulher, que faleceu hoje”, lamentou.
Leões
do Norte
Em uma época em que não se ouve mais notícias sobre atos heróicos e revoluções a favor da pátria, soa muito bem aprender (e relembrar) um pouco mais da história de Pernambuco. No embate entre portugueses e holandeses pelas terras brasileiras, Baruque destaca a ‘bravura indômita’ do pernambucano, quando de sua insurreição diante da presença dos holandeses, conhecida como a Batalha dos Guararapes. “É justamente nesse período, compreendido entre 1645 a 1649 que se dá a vitória contra os holandeses. E é aí nas Guararapes – aponta para a rua dos Guararapes, no centro da velha Recife - que nasce a nossa brasilidade, nasce o epíteto que nós pernambucanos temos de Leões do Norte.”
O
papel do guia de turismo é justamente este – muito bem traduzido por
este profissional chamado Baruque Bernardo: içar do fundo do poço da história
pessoal de cada um essa água límpida, esse peixe ainda vivo, esse caranguejo
de mangue, esse adubo fértil que chamamos de memória.
Serviço:
Catamaran Tours – Passeio de barco pelo rio Capiberibe Embarque: Cais das Cinco Pontas – avenida Sul, 50 metros após o Forte das Cinco Pontas. Reservas: (81) 3424-2845 – (81) 9973-4077 www.catamarantours.com.br
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O jornalista Paulo Atzingen viajou a Recife pela Avianca
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